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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O resgate de uma cultura quase perdida

O carnaval de 2010 chegou ao seu final. Durante esses dias de folia passeei com minha família pela cidade procurando pelas atrações oferecidas na festa de Momo, e constatei que a cultura carnavalesca de minha geração (e também das gerações anteriores) praticamente se perdeu. Mas por que? Bem, vamos viajar no tempo e tentar entender o que houve...

Na minha infância, lá pelos anos 70, o carnaval macaense era marcado pela festa de rua e pelos bailes nos clubes e bares. Tudo começava no Reveillon no Redondo, Iate, Fluminense, Tênis e Ypiranga, onde orquestras e bandas embalavam os bailes ao som das marchinhas e sambas de enredo, prestigiados por milhares de foliões...normalmente esses lugares ficavam lotados. Depois, ao longo de janeiro e fevereiro, os clubes realizavam os bailes pré-carnavalescos A Noite do Azul e Branco, Noite Cigana, Noite do Havaí e Uma Noite em Bagdá. Finalmente vinham os bailes e os desfiles de escolas e blocos.

Os blocos desfilavam pela Rua Direita (Av. Rui Barbosa) e na Imbetiba, onde era realizada a Batalha de Confete no sábado antes do carnaval. O Bloco do Índio Maluco, o Bloco das Piranhas e o Bloco dos Bombeiros eram os principais, mas havia outros. Alguns grupos de mascarados eram recebidos ao som de "mascarado punga, cabeça de macumba". Duas figuras de destaque eram Batista e Juquinha, vestidos de mulher em lindos trajes e com maquiagem impecável.

Víamos pelas ruas a Boneca da Aroeira, o Hulk, os bois pintadinhos e grupos de foliões anônimos sujos de talco, batendo latas ou tamancos. Os desfiles das escolas de samba, tradicionalmente na Rua Direita, apresentavam a Princesinha do Atlântico, Unidos dos Cajueiros, Império da Barra e Acadêmicos da Aroeira, com suas respectivas baterias dando um show de rítmo e seus passistas mostrando o samba no pé.

Que sensação gostosa o cantar e dançar as marchinhas e sambas! E entre tantos compositores brasileiros maravilhosos como Mário Lago, Braguinha, Zé Keti e outros, nós temos o privilégio de listar entre eles, o nome de Benedito Lacerda, músico macaense da gema e autor, em parceria com Humberto Porto, de um dos grandes sucessos do carnaval, a marchinha "A Jardineira".

Dava gosto ver a figura de Seu Carnavalino, presença marcante nos bailes da cidade. E quantos de nós choraram ao ouvir, na madrugada da 4a-feira, os acordes de Cidade Maravilhosa, composição de André Filho, e que tradicionalmente era a última música a ser tocada, anunciando que o baile ia acabar.

Até os anos 80 essa movimentação se manteve, mas dos anos 90 em diante as coisas mudaram bastante, e o carnaval tradicional atravessou o samba. A meu ver foi uma combinação de fatores: a falta de visão das entidades de cultura da cidade, já que as marchinhas foram sendo esquecidas e deram lugar ao trio elétrico tocando a tal da "axé music"; os clubes perderam o interesse nos bailes, talvez por questões de ordem econômica; a Rua Direita deixou de ser o foco, virou um calçadão e os desfiles foram para outros lugares. Provavelmente há outros pontos que não citei mas que tiveram seu grau de importância nessa mudança de cenário.

Uma coisa que me chamou atenção nos festejos atuais, sobremaneira, é o que vou chamar de "juventude da lata": garotos e jovens de ambos os sexos, "se divertindo", em sua grande maioria, com latinhas de cerveja nas mãos, coisa que antigamente não era incentivada.

Bem, quando comecei o texto escrevi que "a cultura carnavalesca de minha geração (e também das gerações anteriores) praticamente se perdeu". Na verdade, há aqueles que estão se esforçando para resgatar essa cultura. A Imbetiba tem sido palco do Carnaval da Melhor (3a) Idade, com uma banda tocando as músicas que encantaram gerações, com participação maciça da família macaense e de visitantes de nossa cidade. Na Praia dos Cavaleiros, o Bloco do Benê anima os foliões com as marchinhas e sambas de outrora. O Tênis Clube de Macaé realizou um baile pré-carnavalesco e algumas matinês, incentivando os sócios a trazerem seus filhos para participarem desse espetáculo de cultura e tradição.

Ou seja, nem tudo está perdido. Há uma real mobilização pelo resgate do alegre carnaval macaense, que encantou tantas gerações. E termino essa crônica com a letra de "A Jardineira", dedicando a todas essas entidades que citei anteriormente uma salva de palmas pela iniciativa de manter acesa a chama do verdadeiro carnaval, aquele que deve ser comemorado com a família e os amigos, de forma sadia e sem excessos.

Ó jardineira porque estás tão triste
Mas o que foi que te aconteceu
Foi a camélia que caiu do galho
Deu dois suspiros e depois morreu

Vem jardineira vem meu amor
Não fiques triste que este mundo é todo seu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia que morreu

Até a próxima!

4 Comentários:

  • Se o poder público somente preservasse o patrimônio cultural da Princesinha do Atlântico, já estaria bom. Mas os senhores do poder fazem questão de destruir o que restou.
    Resistência sempre.
    Abraço.
    RMotta

    Por Blogger Unknown, às 17 de fevereiro de 2010 às 09:05  

  • Comentário recebido por email:

    Parabéns Alfredo.
    É impossível não lembrar da infância e dos meus antepassados com sua crônica do carnaval e a do "bolero e a ponte do botafogo".
    Além da reflexiva "A quarta onda".
    Valeu, abração.
    Edson Ricardo.

    Por Blogger Alfredo Manhães, às 18 de fevereiro de 2010 às 07:03  

  • Comentário recebido por email:

    Claudia FAFIMA
    Alfredo, viajei com vc no tempo ao ler essa última crônica.
    Parabéns!

    Por Blogger Alfredo Manhães, às 18 de fevereiro de 2010 às 07:05  

  • Alfredo, parabéns pelo artigo. Ficamos, eu e minha esposa, com a mesma impressão durante o carnaval de Rio das Ostras: virou "terra de ninguém". Não existe mais o sentimento de "brincar" e sim de "se acabar".
    Também olhei a atualização do seu blog http://meusbrinquedosantigos.blogspot.com; muito legal!
    Abs.

    Por Blogger Marcos Oliveira, às 18 de fevereiro de 2010 às 09:48  

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